sexta-feira, 20 de julho de 2007

Perfeita ou Imperfeita? Eis a questão…

Perfeição em termos genéricos respeita a um estado daquilo que é completo e sem quaisquer falhas.

Perfeição vem do latim perfectio e perfeito de perfectus. Estas palvras por sua vez derivam de perfictio, que quer dizer 'acabar', 'terminar', 'concluir', ou se se quiser 'aperfeiçoar'. Então literalmente perfectio significa 'acabamento', 'conclusão', 'aperfeiçoamento', e perfectus significa 'acabado', 'terminado', 'concluído', 'aperfeiçoado'. (Priberam Online).

Entre as primeiras tentativas de definir a perfeição, encontra-se a que remonta a Aristóteles, que lhe concede 3 conceitos, em que perfeito:

1. é o que é completo, que é constituído por todas as suas partes necessárias;

2. é o que é tão bom que é inigualável, e nada se lhe assemelha nem é superior;

3. é o que atinge o seu propósito, objectivo ou finalidade.

Estes três seriam depois resumidos a dois por Tomás de Aquino: o primeiro é redundante relativamente ao segundo, pelo que resta então aquilo que é perfeito per si, ou seja substantivamente (substância), e o que é perfeito porque serve os seus propósitos (finalidade).

Poder-se-á afirmar que em todo o sempre o homem procurou e procura alcançar a perfeição. Pode-se até mesmo estabelecer um paralelo entre a busca da felicidade e da perfeição. A finalidade e o próprio movimento da vida são no sentido da busca permanente e incessante da felicidade. E o que é a felicidade senão um estado de perfeição!?

Nesta busca inatingível, como se sabe quando algo é perfeito ou se encontra num estado de perfeição!? Desde cedo houve então a necessidade do estabelecimento de referências sublimes que representariam/representam o ‘ser’ perfeito e o estado de perfeição.

Neste particular, estabeleceram-se sobretudo relações entre o ‘Homem’, a ‘Natureza’ e outros níveis sobre-humanos ou sobre-naturais a quem são atribuídas as características últimas da perfeição e os modelos que se deve seguir e atingir.

A mitologia grega encerra em si um exemplo excepcional para o que se acabou de mencionar, ao estabelecer uma relação hierárquica entre deuses, semideuses e heróis, e os restantes homens, existindo assim um meio comparativo que auxiliava e localizava nessa hierarquia o grau de perfeição dos homens, e das coisas ou da natureza, quando esta se assemelhasse ou não ao local onde habitavam os deuses: o Olimpo.

Com o decorrer dos tempos, as capacidades, os conhecimentos, e o domínio da técnica e da arte têm impulsionado um conjunto de entendimentos disciplinares e parcelares do que é perfeito e do estado de perfeição.

É assim que se pode falar em perfeição em disciplinas como a matemática, a física, a química, a ética, a estética, a ontologia e a teologia.

Em matemática refere-se aos números perfeitos, por exemplo.

Na física e na química associa-se a um conjunto de conceitos a palavra perfeito, que em muitos casos serve para designar estados últimos ou inexistentes de propriedades e comportamentos dos elementos. Um fluído perfeito é aquele que não é compressível e é não-viscoso, e um tal fluído é ideal e inexistente na natureza. Um gás perfeito ou ideal é um modelo idealizado para o comportamento de um gás.

Estes conceitos são necessários em física e em química, na medida em que estabelecem limiares, valores e comportamentos ideais e que são ficcionais. A sua necessidade é fundamental na medida em que estabelecem os extremos a que em maior ou menor grau os elementos presentes na natureza se podem aproximar. Dito de outra forma, as ‘coisas reais’ são tanto mais próximos da perfeição quanto se aproximam desses valores ou comportamentos ideais, embora nunca se possa falar estritamente em perfeito ou perfeição.

Pode-se aqui introduzir uma consideração sobre a natureza, tendo em conta este posicionamento advindo da perspectiva científica, analisando sobre os dois pontos de vista iniciais: o da substância e o da finalidade.

Pelo entendimento desta perspectiva todos os elementos na natureza são imperfeitos, porquanto nenhum deles se caracteriza pela presença dos valores e comportamentos ideais. No entanto, de uma forma agregada o conjunto dos elementos relacionando-se constantemente entre si, num organismo global vivo, a que aqui designamos por natureza, pode-se afirmar que a natureza é perfeita, no sentido em que cumpre de forma excepcional a sua finalidade, isto é, não é perfeita substantivamente, mas é perfeita na busca da sua finalidade, a sua sobrevivência, continuidade e evolução.

O debate sobre perfeição no campo da ética, incide iminentemente sobre o homem, mas não se questiona se o homem é ou não perfeito, mas sim se o homem deve ser perfeito, e em caso afirmativo, o que significa o que é ser perfeito e como se obtém tal estado de perfeição.

Este debate é essencialmente dirimido por duas vias: a teológica e a ontológica. A via teológica refere-se à perfeição no âmbito da religiosidade e da existência de um deus ou deuses, os quais são ‘personificações’ da perfeição e que todos os homens deveriam ‘ser perfeitos’ à imagem dos seus deuses. Assim sendo, o homem seria mais ou menos perfeito consoante a sua maior ou menor adequação aos modelos de vida, leis e virtudes religiosas associadas ao culto do respectivo deus.

A via ontológica segue uma interpretação antropocêntrica relacionada com o seu posicionamento na natureza (a natureza é perfeita, e perfeito é o homem que vive em harmonia com as leias da natureza), distinguindo duas interpretações: (1) o homem primitivo como sendo aquele mais perto da perfeição, porque era o mais próximo da natureza. A perfeição é colocada no homem do passado, porque se entendia que a civilização afastou o homem da perfeição em vez de o levar para mais perto dela; (2) a civilização aperfeiçoou o homem trazendo-o mais perto da razão, e desse modo à natureza, uma vez que a razão conduziria a vida com a devida consideração pelas leis da natureza.

Entretanto o desenvolvimento das ciências sociais e biológicas tem provocado alterações no entendimento da perfeição, concedendo-lhe duas perspectivas que se consubstanciam numa mudança de enfoque não na perfeição em si, mas na sua busca, ou seja o importante não é realmente a perfeição mas sim o ‘aperfeiçoamento’. Acresce que a perfeição não reside apenas em fontes individuais, mas também sociais. Sendo o indivíduo parte de uma sociedade, a perfeição social sobrepõe-se à perfeição individual: a perfeição social influencia a humanidade enquanto que a perfeição individual apenas diz respeito ao indivíduo.

A estética é outro ponto de onde se observa ou se discute a perfeição. Na Grécia Antiga a perfeição era tida como um requisito para a beleza e para as ‘belas artes’. Pitágoras defendia que a perfeição era encontrada nas proporções exactas e na combinação harmoniosa das partes. Platão acreditava que a arte tinha de ser ‘apta, apropriada, se desvios, enfim perfeita.

As considerações no âmbito da estética evoluíram ao longo dos tempos desde o entendimento de que a ‘beleza consiste na perfeição, e que é por isso que a beleza é uma fonte de prazer’, à negação de que beleza e perfeição são sinónimos, uma vez que ‘o julgamento do gosto (ie o julgamento estético) é independente do conceito de perfeição – ou seja a beleza é algo diferente de perfeição’. Mais do que afirmar que beleza e perfeição não são sinónimos, surgiram entendimentos baseados na negação da ideia de que a perfeição é a causa da beleza, e que a beleza quase sempre envolve elementos de imperfeição.

A partir do que se tem vindo a dizer, é-se então chegado a um paradoxo deveras singular e que é o seguinte: a maior perfeição é a imperfeição. De um entendimento inicial de que a perfeição é algo que é completo e que nada lhe fará falta (nada a acrescentar nem nada a retirar), é assim contestado pelo facto de tal estado não admitir aperfeiçoamentos. A perfeição depende então de sucessivos estados incompletos, uma vez que estes estados têm um potencial de desenvolvimento e de acabamento com novas características. A imperfeição é perfeita.

Finalmente verifica-se também que os entendimentos carecem de entendimentos e análises inter-relacionais e de perspectivas críticas. Tais entendimentos dependem da escala de abordagem, da escala e o tempo cronológico, do contexto individual e societal, da evolução civilizacional, dependem do ponto de origem e das coordenadas âncora com que encaramos as situações, as perspectivas, os desejos e anseios…

A escala abrangida pela Natureza, é ela própria de uma ‘imensidão imensurável’ que tende para o infinito, e envolve desde o sub-atómico até ao amplamente universal. Para uma consciencialização dos sistemas e das conexões expressas na relatividade de escalas ver por exemplo o documento consubstanciado pelo filme ‘Powers of Ten’ realizado em 1977 por Charles and Ray Eames.

"Perfection is no more attainable for us than is infinity. One ought not to seek it anywhere: not in love, nor beauty, nor happiness, nor virtue; but one should love it, in order to be virtuous, beautiful and happy, insofar as that is possible for man." Alfred de Musset

"To strive for perfection, to devote endless time to a work, to set oneself — like Goethe— an unattainable goal, are all intents that are precluded by the pattern of modern life." Paul Valéry

Somos chegados então à consideração de um caso individualizado: es ou não perfeita?!

Enquanto ser vivo constituída por um conjunto de elementos que têm comportamentos e características reais, e não as ideais, poder-se-á dizer que és imperfeita.

Enquanto ser vivo com um conjunto agregado de elementos que formam um corpo comum, ou dito em sentido figurado, uma máquina natural, as inter-relações que os elementos estabelecem, e o funcionamento dos órgãos trabalham todos no âmbito da manter uma máquina com um processo produtivo complexo e cuja produção é contínua, e não admite paragens. Neste sentido és perfeita, porquanto o corpo e os seus constituintes cumprem a sua finalidade.

Mas pode-se entender também que és imperfeita se se assumir que não existe um funcionamento óptimo d corpo humano, com todos os seus órgãos a funcionarem plenamente, no limiar dos valores ideais. Para tal haveria um funcionamento óptimo para tal, e poder-se-ia atribuir um grau de perfeição do funcionamento do teu organismo relativamente ao funcionamento de um organismo humano ideal.

Enquanto ser vivo ‘individual’ como um elemento constituinte do meio global que é a natureza, serás parte de uma engrenagem quem tem como papel o de contribuir para a acção final da natureza de assegurar a continuidade e transformação da vida. Como avaliar a perfeição ou imperfeição neste caso? Qual a tua contribuição para a transformação da vida? Qual o teu papel para a continuidade da vida?

Enquanto indivíduo és perfeita? ie, relativamente aos anseios, desejos e entendimentos da vida e da busca da felicidade, o motivo sublime da acção humana?

Enquanto indivíduo membro de uma comunidade, de uma sociedade és perfeita ou imperfeita? No contributo social, na relação social, nas relações inter-pessoais, nas actividades, nos prazeres, no amor? Contribuis para a perfeição ou imperfeição de outrem? Quem contribui para a tua perfeição / imperfeição?

Enquanto indivíduo no seio de uma comunidade alicerçado num conjunto de valores judaico-cristãos, mais especificamente católicos, és perfeita no que representa à tua semelhança com deus, a tua busca da paz interior, da tua graça divina, da tua fé, da tua procura de viver à imagem e semelhança de deus?

Enquanto ser vivo que tem um corpo com existência física e que tem uma forma única e inimitável associada, tens um corpo perfeito no sentido estético? Poder-se-á dizer que sim, poder-se-á dizer que não! Dependendo de quem ‘avalia esteticamente’ podes ser ou não perfeita. Uma avaliação que depende do quadro formal, educacional, cultural e societal do observador. E mais, não dependerá essa avaliação de um sentimento? O dito popular lá refere que para quem ama, bonito lhe parece! Mas como se viu acima a beleza e a perfeição não são sinónimos pois não!? E que tal se fores imperfeita? Não são outros que dizem que a verdadeira perfeição é a imperfeição?

E depois disto tudo? Queres ser perfeita ou imperfeita? Sabendo que o estado de perfeição é um estado inexistente, ideal, e inatingível? Mas sabendo também que mesmo que seja concretizável isso quer dizer que não terá nunca oportunidade de melhorar! Queres ser imperfeita? Queres ter um potencial de desenvolvimento e de aperfeiçoamento permanente?

És perfeita ou imperfeita? Queres ser perfeita ou imperfeita?

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Nobody´s perfect

Nobody´s perfect,
well i´m a nobody,
so therefore I must be perfect!!!

Então é assim:

NOBODY per si, segundo vários dicionários significa:
no person (Cambridge Learner's Dictionary)

vamos por partes:

NO
É a forma reduzida de NONE, que significa nenhum / nenhuma / nada

PERSON
Ser humano, pessoa, indivíduo

Ou seja, será nenhuma pessoa, nenhum indivíduo

mas NOBODY também se pode entender como NO+BODY

vamos por partes novamente:

NO
Já vimos atrás

BODY
Refere-se à forma física de humanos ou animais (MSN Encarta Dictionary), ou à estrutura física de uma pessoa/indivíduo (person) ou animal (Cambridge Learner's Dictionary)

Assim sendo NO+BODY quererá dizer nenhum corpo, ou melhor dito pessoa/indivíduo sem estrutura física, ou sem existência concreta e palpável

Resumindo tudo, a afirmação “I’m a nobody” literalmente significará “sou nenhuma pessoa”, ou “sou um indivíduo sem corpo” ou “sou alguém sem existência / estrutura física”. A própria afirmação “sou nenhuma pessoa” peca uma vez que para ser uma pessoa implica necessariamente uma existência física e um corpo, ou seja ser um indivíduo. Como és uma pessoa, um indivíduo com existência física e terrena, a afirmação “I’m a nobody” é falsa!

Isto tudo para dizer que não sendo tu “ninguém”, logo não podes ser perfeita!

A felicidade é como a pluma

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar
.”
Tom Jobim e Vinícius de Moraes

A finalidade e o próprio movimento da vida são no sentido da busca permanente e incessante da felicidade. É ela que nos alimenta e impele. Sendo certo que parte dessa dinâmica depende de uma força motora intrínseca e endógena em cada um de nós, também é certo que o ‘mundo’ em que vivemos condiciona, dificulta e/ou proporciona a nossa felicidade. Mais que uma felicidade individualizada, as felicidades construídas em bases partilhadas apresentam-se mais prazerosas: quando o fôlego se mostra ofegante e curto para manter a brisa a soprar, outros ventos contribuem para manter a pluma a esvoaçar.